A vida contada por peças históricas
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Ele guarda com carinho o macacão utilizada na escola de aviação
Mauro Maciel
Ele foi de vendedor de frutas a piloto de avião e seu nome está no Guinness Book como a pessoa que percorreu a maior distância em uma lambreta
Por décadas, o empresário José Ferreira da Silva reuniu centenas de objetos e documentos que se confundem com a sua própria existência. Cada peça tem um significado especial, remete à uma época, uma memória. Agora, o desafio é conseguir o apoio necessário para retirar o material de sua casa, instalar tudo em um museu e permitir o acesso do público. Tarefa que vai se dedicar com mais afinco, assim que a pandemia terminar. Ele garante que não visa lucro ou promoção pessoal, mas quer deixar uma mensagem com o acervo, a de que é possível nascer em uma família muito pobre e vencer na vida com trabalho e honestidade.
Os cabelos grisalhos não escondem seus 84 anos. Mas quem olha para José não imagina como a sua vida teve várias mudanças de rumo. Praticamente, ele conseguiu tudo o que desejou, fruto de muito trabalho e persistência. Em 1969 ele iniciou uma aventura. Em uma lambreta (motocicleta antiga) partiu do Brasil e visitou 54 países, três ilhas e dois estados independentes. A viagem durou praticamente um ano e, por onde passava, ele remetia ao Brasil fotos, objetos e documentos, que infelizmente se perderam.
"Quando eu viajei para todos os continentes, enviei várias fotos e objetos pela Varig, mas nada chegou em minha residência. Como eu era ex-funcionário da empresa aérea, eles remetiam esses volumes como cortesia. Eu não pagava, mas não recebia ticket de envio. Não existiam documentos, como nota fiscal. Só colocavam o meu endereço em uma caixinha e eu confiava." Quando retornou de viagem, a irmã que cuidava dos seus interesses, em Sapucaia do Sul, disse que não tinha recebido nada. Ele reclamou, pediram os comprovantes e ele não tinha. Na Varig, prometeram fazer a busca, mas nada apareceu.
"Perdi tudo. O mesmo ocorreu com os volumes que enviei por navio, quando estava no norte da África." Na época, década de 1960, José lembra que as coisas eram bem difíceis. Eram basicamente documentos, certificados de homenagens e rolos de filmes de fotografias, milhares de fotos todas extraviadas. Registros de lugares fantásticos, que certamente fariam parte do acervo do museu.
Restou os objetos guardados na lambreta e em suas malas. Nas décadas seguintes, a trabalho, ele viajou para vários países da América do Sul e estados brasileiros, fator que contribuiu para reunir centenas de peças. Duas delas ele considera especiais. Uma filmadora Paillard Bolex, que por não ser elétrica funcionava a corda e um macacão de treinamento usado na Escola Varig de Aeronáutica (Evaer).
Repousa também no museu a réplica da lambreta e do capacete usado na viagem para 54 países. Os originais foram doados ao Museu Júlio de Castilhos, de Porto Alegre (RS).
"Não tenho interesse econômico e nem de promoção pessoal. Mas, com esse acervo, quero mostrar para os jovens que é possível uma pessoa, de uma família muito pobre, prosperar e deixar um legado, desde que trabalhe muito e seja honesta."
De vendedor de frutas a piloto de avião
Sem esconder a emoção e com os olhos marejados, José Ferreira da Silva lembra de uma infância difícil em Caxias do Sul (RS). A família, como ele mesmo classifica, era paupérrima e com sete anos ele já trabalhava com o pai, vendendo bananas nas ruas. Para complementar a alimentação, colhia frutas silvestres nos matos. "Meu pai sempre dizia: o que é teu é teu e o que é dos outros é dos outros." Orientação sobre honestidade que José adotou como referência para a sua vida e tenta transmitir para os mais jovens.
Com 12 anos começou a trabalhar na metalúrgica Abramo Eberle e depois do horário fazia a técnica e locução da Rádio ZYF-3. Aos 14 anos trabalhava como repórter de rua do Jornal Riograndense. Mudou-se para São Leopoldo e em Porto Alegre trabalhou no rádio e na TV Piratini.
Aos 18 anos se alistou na Aeronáutica. Sonhava em ser piloto. Por falta de informação, não preencheu um requerimento necessário para fazer a escola de pilotos militar. Assim, pediu licença e se formou na Evaer (Escola Varig de Aeronáutica). "Trabalhei no transporte de cargas pilotando um Douglas DC30. Em um fim de semana de folga, sofri um acidente com um monomotor em Porto Alegre. Fiquei 30 dias entre a vida e a morte." Devido ao acidente, José teve a licença cassada pela Aeronáutica e perdeu o interesse pela aviação.
Voltou ao jornalismo e produziu documentários para a Rede Globo. Viajava de Kombi com todos os equipamentos e dormia nela. Fiz vários documentários no Brasil, mas esteve no Peru, Equador e em outros países latinos. Depois trabalhou em telejornalismo na TV Coligadas e na RBS, além de produzir para alguns jornais e revistas.
"Guardei não pensando em formar um museu. Mas depois, analisando tudo o que já tinha guardado, pensei, não posso jogar tudo fora."
Escolheu Lages como lar
Quando era piloto, por diversas vezes José Ferreira pousou no aeroporto de Lages, que na época era onde atualmente está a Uniplac. Em uma dessas viagens, ao desembarcar do avião se deparou com um dia sombrio, ventosos e muito frio. "Fui tomar café e disse para quem me atendeu, que nunca moraria em Lages."
Por ironia do destino, na década de 1970 viajava muito e por um tempo montou uma base de trabalho em Lages. Sua namorada em Sapucaia do Sul pediu para conhecer a cidade, veio e decidiu não voltar mais. "Ele veio para Lages no verão e gostou muito do clima ameno. Sapucaia é muito quente."
Para que a namorada tivesse uma atividade, José montou, em 1973, a Casa Olímpia. Inicialmente na Rua Jorge Lacerda, mas como o espaço ficou pequeno, mudou-se para o endereço atual na Rua Hercílio Luz.
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