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ARTIGO

Um bispo para a Diocese de Lages

"Em termos prospectivos, seja quem for o bispo eleito para a Diocese de Lages, terá diante de si uma realidade regional ainda mais ampla e complexa em seus muitos detalhes.

Por sua vez, chegará em um tempo em que a colegialidade dos bispos se vê significativamente ampliada pela sinodalidade, um novo jeito de ser Igreja", escreve Vitor Hugo Mendes.

Vitor Hugo Mendes é presbítero da Diocese de Lages, Santa Catarina. Doutor em Educação (UFRGS), doutor em Teologia (Salamanca/Espanha). Pós-doutor em Pensamento Ibérico e Latino-americano, Pós-doutor em Educação.

Pároco emérito da Paróquia Nossa Senhora das Graças (Lages). Foi secretário do Departamento de Cultura e Educação (2011-2015) e membro da Comissão Teológica do CELAM.

Autor do livro, em dois volumes, Liberación, un balance histórico bajo el influjo de Aparecida y Laudato si’. El aporte latinoamericano de Francisco (APPRIS/AMERINDIA, 2021).

Recentemente lançou O sujeito da educação: a propósito de um sujeito linguístico em educação (2025). Realiza estágio pós-doutoral no PPG Teologia da PUCRS.

Este estudo apresenta dados parciais de uma pesquisa em andamento sobre o Centenário da Diocese de Lages.

Eis o artigo.

Ao longo de 2025, ao menos sete bispos e arcebispos brasileiros chegam aos 75 anos de idade. Conforme determina o Código de Direito Canônico (CDC), “roga-se ao bispo diocesano, que tiver completado setenta e cinco anos de idade, que apresente a renúncia do ofício ao Sumo Pontífice” (c. 401, § 1). Cabe ao papa aceitar a renúncia ou não. No momento em que a renúncia for aceita, torna-se bispo emérito da diocese (c. 402, § 1).

No último 05 de agosto, o bispo de Lages, completou 75 anos de idade. A partir de então, a Diocese de Lages está na expectativa do que venha a ser providenciado —em consequência da atuação da Nunciatura Apostólica— pelo Papa Leão XIV.

Embora há quem diga: “mitra e báculo, não importa o lugar”, uma diocese do interior e com grandes desafios pastorais, como é o caso da região serrana de Lages, não possui, para além da missão de cada dia, um atrativo episcopal de maior grandeza.

Lugares assim, por vezes, são ocasiões para ritos de passagem (aguardar uma promoção); bispos que chegam sem nunca chegar e com as malas sempre prontas para partir.

Além disso, a Igreja em saída missionária às periferias é ainda um ideal com pouca adesão por parte do clero em geral. Na realidade, persiste, nos diferentes graus da ordem, uma espécie de fascínio e deslumbramento pelo ‘centro’ (matriz) e não pelas ‘periferias’. Poucos se salvam. Talvez, por isso, regiões de missão, sempre na periferia, padecem tanta falta de missionários.

Seja como for, para agora ou logo mais, busca-se um bispo para a Diocese de Lages, na Serra Catarinense. Oxalá venha para permanecer, desfaça as malas, os preconceitos e tenha disposição de caminhar juntos: “Para vocês sou bispo, mas com vocês, sou cristão” (S. Agostinho).

A eleição de um bispo, como é sabido, segue um criterioso protocolo previsto no CDC (cf. cc. 375-380). Trata-se de uma prerrogativa reservada só aos bispos. Não obstante, cabe exclusivamente à “ Apostólica o juízo definitivo sobre a idoneidade de quem deve ser promovido” (c. 378, § 2). Para tanto, a Nunciatura Apostólica apresenta ternas com as candidaturas (nomes) à Sé Apostólica e, assim, procede-se a eleição e a nomeação do bispo escolhido. Um bispo diocesano, coadjutor ou auxiliar, sempre que for solicitado ou solicitar, conforme as necessidades da Igreja, poderá ser transferido para uma outra circunscrição eclesiástica.

O exercício do ministério episcopal também está disciplinado pela norma canônica (cf. cc. 381-402). Inclusive naqueles casos em que o bispo, mostrando-se incapacitado para exercer o múnus pastoral, fica impedido de governo (cf. cc. 412-415).

Apesar da clareza e da objetividade legislativa do CDC, algumas quantas insatisfações são percebidas em torno a estes procedimentos canônicos e o seu impacto prático na vida eclesial e pastoral da igreja diocesana. Entre outras, a eleição de candidatos para o episcopado, a transferência de bispos e até mesmo a maneira do bispo exercer o serviço episcopal —não é de hoje—, são ainda temas sensíveis e reservados no âmbito eclesial. (cf.: J. I. González Faus, “Nenhum bispo imposto” (S. Celestino, papa). As eleições episcopais na história da Igreja, 1996).

Mais recentemente, com o Sínodo sobre a Sinodalidade da Igreja (2021-2024) —agora já em sua fase de implementação—, questões como essas foram novamente trazidas ao debate. Sob novas circunstâncias, fez-se um redobrado apelo sinodal em favor da comunhão e de uma real participação de todos e todas na vida e na missão da Igreja.

Documento Final do Sínodo sobressai que “quem é ordenado bispo não recebe prerrogativas e tarefas que deve desempenhar sozinho. Pelo contrário, recebe a graça e a tarefa de reconhecer, discernir e compor, em unidade, os dons que o Espírito derrama sobre as pessoas e sobre as comunidades [...]. Ao fazer isso, realiza aquilo que é mais próprio e específico da sua missão no contexto da solicitude pela comunhão das Igrejas” (n. 69).

Além disso, o documento final recorda que “o ministério do bispo é um serviço na, com e para a comunidade” e, por conta disso, “deseja que o Povo de Deus tenha mais voz na escolha dos bispos” (n. 70). E adverte: “os bispos também precisam ser acompanhados e apoiados no seu ministério [...] também ele é um irmão frágil, exposto à tentação, necessitado de ajuda como todos os outros. Uma visão idealizada do bispo não facilita o seu delicado ministério, que, pelo contrário, é sustentado pela participação de todo o Povo de Deus na missão, em uma Igreja verdadeiramente sinodal” (n. 71).

Há esperança de mudanças, mas tudo isso leva tempo. Na periferia tarda um pouco mais. Portanto, o bispo para Lages e para outras dioceses, continuará sendo ainda uma surpresa sem a marca sinodal. Será um anúncio com tintes escatológicos. Ninguém sabe o dia, a hora, menos ainda, quem será o bispo escolhido.

Que não ocorra, de novo, que o bispo eleito saiba pouco ou nada da diocese, da cultura regional, dos inúmeros desafios sociais e pastorais da região serrana. Como se diz por aqui, “com o andar da carroça as abóboras se ajeitam”, mas há atrasos, anacronismos e retrocessos que precisam ser evitados. Por conta de tudo isso, talvez como nunca antes, a eleição do bispo para a Diocese de Lages foi aguardada com tanta expectativa.

Prestes a celebrar o seu primeiro centenário de criação (1927) e de instalação (1929), as circunstâncias atuais na Diocese de Lages não é nada confortável. Além disso, a situação requer atenção, discernimento, cuidado, cura e um renovado compromisso com a região serrana, sua cultura cabocla e o desenvolvimento regional.

A presença da Igreja católica na Serra Catarinense remonta os anos de 1766. Com a fundação de Lages, sob o patrocínio de Nossa Senhora dos Prazeres, deu-se passo decisivo na conquista do planalto serrano para os colonizadores portugueses. Portanto, bem mais de um século e meio, antes da criação da diocese, aqui floresceu uma persistente religiosidade cabocla e um fervoroso catolicismo popular. Enquanto dado antropológico-cultural, o elemento religioso, antes de qualquer confissão religiosa, é um traço constitutivo do povo serrano.

Neste particular, a institucionalização da Igreja católica na Serra Catarinense, com a criação da Diocese de Lages (1927), foi um processo tardio e, em certo sentido, brando, considerando a opção pastoral do bispo da época e o estilo evangelizador dos frades franciscanos. Por conta disso, aquela “romanização”, sequela de Trento, não teve vida longa, pois em pouco tempo foi superada pela renovação trazida pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e pelas Conferências Gerais do Episcopado Latino-americano.

Assim, por mais de quatro décadas, nasceu, cresceu, amadureceu e deu muitos frutos, na Igreja diocesana, um rosto de Igreja Povo de Deus. Foi quando, ao longo de mais vinte anos (1990/2010), tornou-se possível inaugurar e fortalecer um jeito de ser Igreja católica inculturada na Região dos Campos de Lages. Por primeira vez, e de maneira sistemática, deu-se atenção teológico-pastoral ao simbolismo do pinheiro-araucária, da pinha de pinhão, da colcha de retalhos, da solidariedade cabocla (pixirum), da estética do frio, da piedade popular, entre outros, tratando de tecer sua correlação com o Evangelho, a evangelização, a formação e a organização do povo de Deus na região serrana.

As reações adversas, negativas a esses processos de “caminhada sinodal” —e a desconstrução dessa trajetória ousada e criativa da Igreja na Diocese de Lages—, leva agora ao menos duas décadas. Uma situação que se deve a distintos fatores e que ainda demanda uma análise mais criteriosa. Entretanto, não deixa de ser notório que, acompanhando as tendências da Igreja e da sociedade no início do milênio, diferentemente de uma volta às fontes (Vaticano II), também aqui prosperou uma “volta ao passado”. Assistimos o ensaio sem fim, porque não ata e nem desata, de uma “nova romanização” que, embora anacrônica, se recria sob os holofotes da cultura pós-todas as coisas.

Em meio a isso, dois aspectos poderiam ser ainda elucidativos do caso lageano: a sucessão de gerações de padres nos encargos de poder; e, o que vem sendo descrito como a “crise episcopal”.

O caminho que possibilitou um perfil eclesial inculturado na Diocese de Lages, na década de 1990, nasceu na confluência de uma enorme diversidade de pessoas, modos de pensar e linhas de trabalho. Portanto, diferenças, e até mesmo divergências, sempre existiram, mas, naquele contexto, giravam em torno de um projeto comum, a construção do Plano Diocesano de Pastoral e, depois, a sua consolidação. Foi uma geração promotora de processos comunitários na Igreja e na sociedade. Tornaram fecunda a eclesiologia das CEBs nos grupos de família e nos Conselhos Paastorais. Os que participaram da caminhada não tem dúvidas em reconhecer que foi um marco verdadeiramente sinodal.

Junto àquela primeira geração vingou uma segunda prole de muitos discípulos/as. Destaca-se o expressivo número de padres novos que foram ordenados no fim do século passado (13 na década de 1990). Pouco a pouco, inseridos nos trabalhos da diocese, logo assumiram trabalhos e coordenações. Já ali aparece um primeiro tipo de protagonismo no clero diocesano regido por individualidades, gênios e afinidades incertas. Embora se mantenha uma fidelidade quase estrita ao projeto diocesano, o exercício sinodal já figura mais na linguagem do que nas práticas. A animação pastoral, melhor fundamentada enquanto reflexão, talvez, menos dialogal, severa na crítica a um e a outro, pouco inclusiva, adquire um perfil mais condutivo e, em certo sentido, imperativo.

Será nesse contexto, coincidindo com a época de mudança de bispos (2009), que parece emergir uma terceira geração de padres. Um grupo diminuído em número, discreto na presença, interativo no convívio, mas seletivo na busca de protagonismos e oportunidades.

Aqui, talvez de modo mais evidente, aparece as primeiras mostras de insatisfação e reações contrárias ao estilo pastoral em ação e seu caráter ‘impositivo’. Ao mesmo tempo, surgem opiniões ambíguas a respeito do rosto inculturado da Igreja diocesana. Aparece, até mesmo, certa contrariedade, ora ao projeto, ora a seus representantes mais imediatos, por fim, uma resistência ‘articulada’ a tudo e a todos. Advém um clima de polarização e beligerância.

É curioso notar que, neste convívio de distintas gerações, entre o clero, o intercâmbio de afinidades e interesses admitiu articulações e cooptações inimagináveis. Há um projeto pastoral para todos, atualizado na letra, mas que efetivamente perdeu sua força agregadora. Quando deixou de ser um projeto comum, foi aplicado conforme os gostos e proveitos de cada um e seus seguidores. Isso multiplicou incontáveis ‘dioceses’ dentro da mesma Diocese de Lages.

O longo período de governo de DOneres Marchiori, como bispo de Lages, vinte e seis anos (1983-2009), marcou profundamente a região e, de forma notável, demarcou um horizonte eclesial bem definido. Sempre gaúcho, nunca deixou de ser um convicto serrano catarinense. Com sua renúncia, passando à condição de emérito, instalou-se uma “crise episcopal” sem precedentes. Alguns quantos desafios já estavam esperando o novo bispo, mas muitos outros problemas chegaram com a alteração de bispos, que se tornou frequente, e as políticas enviesadas de governo.

Durante oitenta anos, a Diocese de Lages recebeu três bispos diocesanos (1929-2009). Em menos de duas décadas (2009-2025), foram quatro bispos: dois titulares e dois administradores apostólicos. Além disso, a diocese sofreu uma visitação canônica (2015) tendo em vista aclarar tensões e problemas de ordem administrativa e moral que envolveu o bispo diocesano.

Em período recente (2018-2025), foram nomeados nada menos do que sete coordenadores diocesano de pastoral. Mesmo assim, persistiu o intento de ‘fabricar’ um novo Plano de Pastoral que continua inconcluso. Talvez, uma consequência inevitável diante da diáspora da equipe responsável por dar recepção ao processo sinodal na diocese. Em geral, reticente em receber colaborações de ordem teológico-pastoral, inclusive já há na diocese histórias de decretação de persona non grata a quem insista. Talvez, em síntese, pode-se dizer que o magistério do Papa Francisco, a Igreja em saída missionária às periferias, ainda está por chegar na Serra Catarinense.

Aqui encontrou lugar uma quarta e última geração de ‘novos padres’ que está em construção. Tem as marcas da cultura juvenil atual. Concentrados no aspecto litúrgico-celebrativo da Igreja, em geral tendem a ter interesse mais pela doutrina e a disciplina eclesiástica e menos pelos diferentes perfis da teologia pastoral clássica e latino-americana. Há mostras de iniciativas pastorais, agilidade no mundo digital e da comunicação, o que permite uma melhor performance. Sobrevivem em uma situação de igreja altamente polarizada. Talvez, nesse complexo jogo de poder, subjaz algo de ‘corporativismo’ e busca de ‘hegemonia’ geracional. Não obstante, são muitas as potencialidades que podem encontrar expressão num projeto comum de Igreja com todos.

Junto a essas tensões internas, não resta dúvida, também influiu o contexto regional. A Igreja em Santa Catarina, por exemplo, passou por mudanças extraordinárias nesse período. Ainda no início da década de 1990, a presença sóbria e a autoridade discreta de D. Afonso Niehues —arcebispo metropolitano por 24 anos—, deram lugar ao estilo grandioso e requintado de D. Eusébio, mais tarde, Cardeal Scheid, SCJ, arcebispo do Rio de Janeiro.

Desde então, o Regional Sul IV da CNBB foi adquirindo um outro perfil e dinamismo. Ademais das alterações cada vez mais frequentes no episcopado regional, também as opções da Igreja catarinense foram sendo remodeladas ao ritmo dos novos tempos, dos novos pastores e dos novos desafios: a urbanização crescente; a diminuição vocacional sem precedentes; o declínio dos centros de formação regional de seus futuros padres; o crescimento de movimentos utltraconservadores que ameaçam a Igreja e combatem os movimentos sociais, etc. Muito recentemente, foram criadas duas novas arquidioceses em Santa CatarinaJoinville e Chapecó.

Enquanto isso, na Serra Catarinense, a Igreja foi entrando em um tempo de “crise” sem conseguir despertar uma maior solidariedade episcopal, tampouco, o interesse eclesial por uma região bastante esquecida e marginalizada no Estado de Santa Catarina. A criação da arquidiocese de Chapecó cria a expectativa de maior colaboração interdiocesana, mas isso requer pôr em ação iniciativas que estão para além da funcionalidade institucional da Igreja. Com razão, o Papa Francisco insistia na conversão da mentalidade eclesial e das estruturas da Igreja. A índole missionária do novo arcebispo e presidente do regional Sul IV, D. Odelir José Magri, MCCJ, é promissora. Poderá servir de ânimo e inspiração para estes novos tempos.

Em termos prospectivos, seja quem for o bispo eleito para a Diocese de Lages, terá diante de si uma realidade regional ainda mais ampla e complexa em seus muitos detalhes. Por sua vez, chegará em um tempo em que a colegialidade dos bispos se vê significativamente ampliada pela sinodalidade, um novo jeito de ser Igreja.

Na Diocese de Lages, como tal, o bispo escolhido vai poder provar da hospitalidade sem igual do povo serrano, sua persistência na região mais fria do Brasil, as belezas da terra do pinheiro Araucária e sua festa nacional do pinhão. E o mais importante, encontrará a fé inabalável, algo impressionante, de leigas e leigos que perseveram, incansavelmente, a exemplo de são João Maria, no cuidado da fé do povo serrano, da Igreja, suas muitas comunidades e grupos de família. Peregrinas, Peregrinos de Esperança!

Aqui o rancho tem porta, mas não tem tramela. Boas-vindas ao futuro bispo da Igreja católica na região serrana de Lages!

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