Uma escola na zona rural, em um assentamento da reforma agrária, reunindo estudantes e professores provocados por uma associação cultural, trabalha com o tema da Guerra do Contestado, transformando o texto criado pelos alunos em peça teatral, usando a arte em suas múltiplas formas - encenação, dança e música - para rememorar uma guerra que aconteceu em seu território.

Era o ano de 2017. Nesse tempo, o teatro sobre o Contestado foi apresentado primeiramente na própria escola, depois em ginásios e pavilhões, durante a Semana do Contestado, que todos os anos no mês de outubro, mobiliza o município de Lebon Régis e cidades vizinhas, na região do meio oeste catarinense. Mas foi no ano de 2019 que a peça teatral "Nas trincheiras da guerra, a fé é arma!" chegou até a Igreja Matriz do município, com uma encenação marcante, reunindo um público diverso. Essa apresentação chamou a atenção da Plural Filmes, realizadora audiovisual independente de Florianópolis, que tem na questão agrária e, consequentemente, a Guerra do Contestado, um tema recorrente em suas produções. Em uma ação sem patrocínio ou quaisquer recursos financeiros, contando apenas com apoios locais e mobilização de profissionais do cinema, a filmagem da peça envolvendo 50 estudantes foi realizada em uma igreja campal, construída em madeira, assim como as 11 igrejas que existiam na região e que foram queimadas durante a Guerra, ou pelo exército brasileiro, ou por aqueles que se diziam donos das terras.

 Para Marcia Paraiso, da Plural Filmes, diretora do filme Terra Cabocla (documentário - 2015), "o impacto do teatro e da encenação das crianças e jovens na sensibilização dos pais e familiares, na população, e nos próprios estudantes que passaram a vestir personagens que vivenciaram a guerra, foi impressionante para pensarmos em registrar e eternizar todo aquele trabalho em filme e alcançarmos um público ainda maior". A filmagem aconteceu em dezembro de 2021, depois de um trabalho de pesquisa de locação, envolvendo a Associação Cultural Coração do Contestado, grupo que deu o pontapé inicial na mobilização de professores e direção da escola em torno da temática do Contestado. "Como nós humanos não somos formados por partes isoladas, os conteúdos também não o deveriam ser, trabalhar com as várias dimensões humanas dentro do contexto escolar apenas faz reflexo daquilo que somos: arte, movimento, pensamento, ação, emoção. Nesse contexto o ensino assume um caráter político também, pois discutimos a problemática da vida das pessoas não importa em que tempo ocorreu ou ocorre dentro da própria organicidade da vida.", diz a diretora da Escola de Educação Básica 30 de Outubro, Michele Jean Carlos Silveira. A professora Hellen Carlin Barreto, responsável pela preparação da peça e ensaio dos estudantes atores, conta que "o choque de realidade, fez despertar sentimentos que foram além do Contestado. Sentimentos familiares, de amor, de cuidado, de empatia, ao se colocar no lugar do outro. Recebemos muito apoio dos pais e da comunidade em geral, pois perceberam a entrega e a responsabilidade dos estudantes. Penso que ali, muitas pessoas passaram a ter um outro olhar para o Contestado. Passaram a perceber que os seres humanos que viveram e morreram, eram bravos, valentes e resilientes. Que nas entrelinhas da história existem sujeitos magníficos, heróis anônimos que resistiram até o fim."

Equipe técnica

Realização coletiva Associação Cultural Coração do Contestado (coordenador de projetos Carlos Nedi Veiga da Silva), Escola de Educação Básica 30 de outubro (pedagoga Hellen Heine Carlin Barreto), Plural Filmes (Glauco Broering, Helio Levcovitz, Ju Baratieri, Kike Kreuger, Laila di Pietro, Leandro Cordeiro, Marcia Paraiso, Maria Paraiso, Nara Hailer e Ralf Tambke.