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Entrevista

Caio Roberto Salvino fala sobre as vacinas contra a Covid-19

  • Nilton Wolff

Caio é farmacêutico, bioquímico, microbiologista Clínico, doutorando em Saúde Pública. Ele é, atualmente, considerado um dos maiores especialistas em Covid-19 do Brasil. Para o Folha da Serra, Caio falou sobre as vacinas de combate ao coronavírus, sua eficácia e os preconceitos que rondam esse medicamento.

Folha da Serra - Nesta semana, começou a campanha de vacinação em massa contra a Covid-19. SC recebeu apenas 126 mil doses. Suficientes, apenas, para dar a primeira dose a 1,75% da sua população de mais de 7 milhões de habitantes. O que você tem a dizer sobre isso, já que o número de doses é ainda bastante pequeno?

Caio Salvino - A princípio a informação dada pelo Ministério da Saúde é de que, aproximadamente, 6 milhões de doses da vacina Coronavac estão chegando ou irão chegar ao Brasil. Além disso, há a produção brasileira que já está bastante acelerada no Instituto Butantan, e também, mais recentemente a produção da vacina Astrazeneca/Oxford, pela Fiocruz. O que penso a respeito desse número que parece, inicialmente, muito pequeno, é que, por isso, há essa divisão em grupos das prioridades das vacinações. Nós temo uma população grande, mas temos a prioridade de profissionais de saúde, por exemplo, idosos acima de 75 ano, pessoas acima de 60, que estão em casas de cuidados especiais, então, provavelmente, se trata de um cálculo de que essa quantidade de doses vai suprir, em um primeiro momento, as necessidade da primeira campanha. E eu acredito que nos próximos dias, mais doses estarão chegando.

Caio, tanto a Coronavac, quanto a Oxford/Astrazeneca necessitam ser aplicadas em duas doses. Isso significa que deve levar um bom tempo para que toda a população seja vacinada.

Na complexidade do processo, sim. Mas se a gente pensar que, por exemplo, nós temos um intervalo de duas semanas para a Coronavac, e de 30 a 120 dias para a Astrazeneca para a segunda dose. A partir desse princípio, podemos ter essa campanha sendo realizada, mesmo que fatiada, acontecendo quase que simultaneamente, se houver organização e disponibilidade de doses, você consegue, por exemplo, chamar a primeira turma de profissionais de saúde, idosos e os que estão em asilos, vacinar e entre essa primeira vacinação e a segunda dose, você já começa a chamar o segundo grupo. É natural que se pense que o primeiro grupo vai ter de fazer duas doses e só depois o segundo grupo será chamado. Eu imagino, de forma esperançosa, que a organização seja nessa sequência. Dessa forma, em um mês é possível vacinar os dois primeiros grupos completos e mais metade do terceiro.

Depois de tomar a vacina, quanto tempo leva para que a pessoa esteja imunizada? Ou essa imunização só ocorre depois da segunda dose?

A segunda dose de reforço é amplamente necessária para o desenvolvimento da defesa imunológica, para a correta produção de anticorpos. Em geral, esse intervalo é relativo ao tempo de necessidade de cada vacina para desenvolver essa imunidade. As duas vacinas têm um modelo muito diferente. A Coronavac tem um modelo clássico. O vírus já inativado já cai no organismo pronto. Não existe nenhum outro processo que o organismo tenha de fazer para que a imunidade seja criada. Já a Oxford [Astrazeneca], necessita de uma etapa dentro do organismo. Que é a etapa de produção da proteína viral pela nossa própria célula, que vai ser jogada na corrente sanguínea e, então, virá a defesa imunológica, a produção de anticorpos. Por isso, dependendo da vacina que você tomar, essa imunidade demora um pouco mais para surgir. Mas podemos dizer que se a gente tomar a segunda dose daqui a 14 dias que, mais ou menos, daqui a 45/60 dias a gente já tenha algum tipo de resposta bem interessante, mas a Astrazeneca, provavelmente, demore um pouco mais para esse desenvolvimento da imunidade.

Gostaria que você falasse sobre a eficácia das vacinas. O que significa dizer que uma vacina tem 50%/70% de eficácia?

Para entender esse significado, precisamos compreender a matemática da doença. Se pudéssemos pegar todas as pessoas que têm a doença e fazer uma estatística verdadeira, isso por constatação, por números de outros países e da nossa própria realidade, sabemos que, mais ou menos, entorno de 15% das pessoas que têm contato com o vírus Sars Cov-2, desenvolvem a doença de forma sintomática; mais ou menos 80%/85% terão contato com o vírus e farão, ou sintomas extremamente leves que podem passar despercebidos, ou mesmo não terão sintomas. Passarão pelo ciclo viral e não sentirão nenhum tipo de sintoma. Mas esses 15% que sobram são muito importantes porque são as pessoas que podem se tornar os 5% que precisam de UTI, de tubo, de respirador, que chegam ao quadro crítico da doença. Se levarmos em consideração a metade das pessoas que forem vacinadas, e colocarmos esses 50%; desses 15%, apenas 7% terão esses sintomas. Isso é extremamente significativo. Se você pegar uma multidão, isso é muita coisa.

A segunda informação dessa vacina, tanto da Coronavac quanto da Astrazeneca, é que ninguém que tomou a vacina, nos dois grupos testados, pegou um quadro crítico e precisou de internação. Esse dado, para mim, é mais importante do que qual a porcentagem da população ficará imunizada. Até porque, ainda teremos a presença desse vírus por muito tempo. Teremos, provavelmente, que fazer como fazemos com a vacina antigripal, com doses anuais, até que se consiga acabar com essa doença no mundo. Esse dado é ainda maior se falarmos da Astrazenica. 

E quem já teve Covid-19, precisará fazer a vacina?

Sim. Grande parte dessa informação que o Ministério [Saúde], que a Anvisa tem, que a epidemiologia brasileira tem, relativa ao número de casos confirmados ou o número de pessoas com anticorpos positivos, reagentes presentes na corrente sanguínea; não são baseados em resultados em exames confiáveis. Tem muito exame no Brasil, principalmente tudo o que foi feito no primeiro terço da pandemia, quando vieram para cá inúmeros kits chineses de má qualidade e as pessoas faziam esses testes à deriva, em qualquer lugar. Mais tarde a gente acabou sabendo que grande parte desses kits tinham qualidade bem duvidosa e parte dos resultados foram falso-positivo e falso-negativo.

Com exceção de gestante, menores de 18 anos, lactantes e pessoas que tenham alergia a qualquer componente da vacina, ou ainda, pessoas que já fizeram alguma vacina e tiveram reação alérgica, não irão ser vacinadas. Existem algumas restrições para doenças autoimunes, mas essas pessoas devem procurar seu médico.

As vacinas são muito simples, principalmente a Coronavac, que é de vírus inativado, com poucos efeitos colaterais. A única desvantagem da Coronavac em relação à da Oxford, é pelo fato dela ser uma vacina de vírus inativado e precisar de um processo longo [para a produção] de cultura de vírus, multiplicação desse vírus, inativação desse vírus, então, quando surge uma cepa nova, a tendência é que essa vacina vá perdendo eficácia e vem um novo lote, já com essa cepa nova.

Muitas pessoas ainda têm preconceito com relação às vacinas, até pelo fato de terem sido produzidas em tempo recorde. O que você tem a dizer sobre isso?

É sempre bom ter um pouco de cautela. Eu sempre digo que o medo nos mantém vivos, porque se a gente não tivesse medo, seríamos destemidos e duraríamos pouco.

Existe uma tecnologia, e agora vou falar um pouco sobre a vacina da Oxford, da Pfizer, da Jansen, da Sputnik, sobre essas vacinas que são de engenharia genética. Porque a Coronavac é uma vacina clássica. A primeira ideia que se tem quando se pensa numa vacina é: vamos isolar o vírus, inativar e aplicar para ver se responde. Fizeram isso, escolheram uma determinada cepa, um determinado paciente chinês, fizeram multiplicar, aplicaram; funcionou, agora vamos produzir em larga escala e vamos imunizar as pessoas. Por isso, foi rápido. Poderia não ter dado certo na fase 1, na fase 2 e ter ficado por ali mesmo. Mas as vacinas que envolvem engenharia genética são extremamente fascinantes. A humanidade já vem, desde 2003, com a Sars, que foi a primeira epidemia por coronavírus grave, depois veio o Mers, que é a gripe do Mediterrâneo, no início da década de 2010 e, recentemente, por Covid-19. Mas desde a época da Sars, aquilo veio sendo muito discutido. Vou todo ano para o Congresso de Microbiologia e lá se discute um assunto que muito pouco se discute em outros lugares: o bioterrorismo. O americano é muito preocupado com o bioterrorismo e todas as conferências são ministradas por colegas de laboratórios e médicos, todos ligados às Forças Armadas Americanas e se discute muito a possibilidade de um ataque biológico. Baseado nessa preocupação, a OMS, em 2018, lança um projeto que talvez tenha sido o mais importante em termos de imunização na história recente da humanidade.

O projeto se chama Doença X. Criou-se um grupo de pesquisadores do mundo inteiro, representando as mais importantes instituições científicas do mundo e esses profissionais discutiram como seria uma pandemia por um vírus letal. Fizeram uma projeção do que deveriam fazer, daqui até 2023 (que era quando havia a expectativa de que essa pandemia acontecesse), e foram se preparando e criaram um modelo absolutamente espetacular e chamaram de Plataforma Vacinal. Eu tenho comentado isso nas minhas lives, sobre a vacina Lego. Brinco que essa vacina parece um Lego. Você tira e coloca peças da maneira que precisa. Então, de lá para cá, começaram a desenvolver essas ideias de vacinas que pudessem usar estruturas genéticas em benefício do organismo humano. Dessa linha de vacinas, saíram, basicamente, dois grande grupos: o grupo que é o da Oxford, chamado de vacinas de vetor viral não-replicante, que significa basicamente que os cientistas pegam o vírus de um macaco, abrem o núcleo da célula, extraem o DNA, modificam esse DNA no vírus do macaco que para nós não causa doença, e introduzem no genoma do macaco um pedaço do RNA do vírus Sars Cov-2, responsável por modificar a proteína spike que é aquela que faz o vírus parecer um mamona, aquela bolinha cheia de 'espetinhos'. Cada pontinha daquela é uma proteína, chamada de Proteína S, como se fosse uma chave que vem, acopla com outra proteína da nossa célula e abre a nossa célula para o vírus entrar. Essa proteína é muito importante. E nosso organismo é tão inteligente que nosso sistema imunológico já entende que aquela proteína tem um pedacinho, chamado de RDB (local de ligação com o receptor), que é a chave da fechadura e nosso organismo produz anticorpos para esse pedacinho, que são chamados de anticorpos neutralizantes. Esse é o grande objetivo do sistema imunológico; neutralizar aquela proteína, para que não sirva como chave para o vírus entrar na célula.

Então eles pegam esse pedacinho do RNA, e colocam no DNA do vírus do macaco, fecha a cápsula do vírus e injeta isso na pessoa. Injetou na pessoa, esse vírus vai circular, vai entrar na nossa célula, vai abrir e liberar esse pedacinho do RNA viral, que vai entrar no núcleo da nossa célula e vai se transformar no RNA mensageiro, que vai codificar a produção dessa Proteína S, que vai sendo produzida e ficando acumulada na superfície da célula humana. Essa célula humana tem uma sobrevida curta, e quando morre, libera essas proteínas no sangue e o organismo começa a produzir anticorpos.

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