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Sônia Trichêz

Neuropsicopedagoga e psicopedagoga fala das perdas emocionais e de aprendizado das crianças

  • Mauro Maciel

Folha daSerra_ Gostaria que começasse fazendo uma avaliação de como a pandemia tem afetado a educação das nossas crianças.

Sônia Trichêz_ Afetou em vários aspectos. Principalmente, a questão emocional da criança. A criança brincava, ia para rua, tinha liberdade, e ficou trancada dentro de casa. E houve vários fatores que contribuíram para que essa criança viesse a ter vários sintomas e não aprendizagem. A criança que nunca brigava, que era tranquila, querida, por exemplo, começou a morder, a chutar o irmãozinho. Percebo várias coisas aqui na clínica. A criança chega cansada, com sinais de que não dormiu legal. Então, a gente vai fazendo todo um trabalho, para que se recupere a questão da autoestima dessa criança. Porque foi um ano muito pesado.


E pedagogicamente falando. Muitas das crianças não tiveram condições de acompanhar as aulas online. Que avaliação você faz dessa modalidade de aula?

Existe uma dificuldade de ambas as partes. Tanto dos professores, quanto das crianças. Desde que as aulas foram canceladas, os professores, as escolas, tiveram de se reinventar. Mas a qualidade das aulas, certamente, não é a mesma. Houve um prejuízo. Houve, por exemplo, a falta de articulação entre a escola, a família e a criança, e, principalmente, com as crianças. Existe uma defasagem, sendo que grande parte das escolas não possui apoio pedagógico e todo mundo foi pego de surpresa. O professor estava acostumado a dar aula naquele padrão, e teve de se reinventar, ir para o Google e gravar a aula. Então, foi uma coisa bastante complicada. Ter de trabalhar de outra forma. Escolas que não tinham nada, tiveram que entregar folhinhas para as crianças.

Esse cenário fica mais complicado porque o aluno não está interessado só nas atividades, ele quer brincar com o colega, quer ver a professora, quer o convívio com as outras pessoas. O fato que a gente pode verificar é que em muitos lugares os números apresentados pelo IDEB, o Índice de Desenvolvimento da Educação, foram muito baixos. Eu não estou generalizando.

As perdas são bastante significativas. Principalmente, na questão da criança. Como é que a gente aprende? A gente aprende através das relações, através dos convívios. Não teve isso e a criança teve que aprender, praticamente, sozinha. As perdas foram, principalmente, para as crianças menores, porque, em função de uma família, por exemplo, ter uma criança maior, essa criança maior teve acesso aos computadores e a pequenininha não. Em função de uma criança pequena não conseguir ficar muito tempo na frente de um computador e de precisar de mais ajuda. Um aluno mais velho já consegue entender. Houve bastante perda e até para a perda social.


Você acredita que isso pode ser recuperado? De que forma?

Acho que sim. A gente não pode desmerecer as escolas, que estão trabalhando bastante para que isso aconteça. Ao longo do tempo, vai ser um novo humano, vai ter que ser diferente. Vai ter que ter um olhar diferente, até porque não é mais a mesma coisa, mas é uma questão de adaptação, mas vai levar um tempo.

As crianças ainda estão com trauma. Vocês não têm noção do que é uma criança chegar na clínica e eu ver que ela está saturada. [No atendimento a uma criança] Daí vamos brincar, coloco o tatame no chão, e a criança construiu Lages. Isso me arrepiou. Ela fez a catedral, os colégios, o corpo de bombeiros, com sirene e tal. Quando deu a hora [de encerrar a sessão], a criança disse: Sônia, 'o meu colégio, eu não quero desmanchar'. E abraçou o colégio. E eu disse: 'vamos colocar o colégio dentro de uma caixinha, a gente não vai mexer em nada, e na próxima sessão, a gente continua com o colégio'. Então, você vê que a questão emocional é muito forte.


De que forma essa situação pode ser amenizada? Que atitudes, que ações podemos ter?

Em primeiro lugar, os pais devem entrar em contato com o colégio. Trabalhar em parceria com os colégios. Os pais devem criar uma rotina, isso é fundamental para a criança. Por exemplo: se ela se levantava às 8h, ela vai continuar se levantando às 8h, que a vida te segue. Ela não vai almoçar um dia, às 11h, outro dia, às 10h. A criança precisa de rotina, de acompanhamento, de lazer. E uma das coisas assim que eu indico é os pais também começarem a brincar com essas crianças. O jogo, por exemplo, de tabuleiro é coisas que distraem Na verdade, é um resgate a outras infâncias. Distantes das tecnologias. Aí, jogam os jovens, a família, em vez de ficarem na frente da tevê, ouvindo notícias drásticas, notícias ruins, passam um momento lúdico com a criança. O jogo ainda é uma das maneiras de resgatar e deixar a criança mais solta, mais leve, equilibrada, porque através da brincadeira, a criança solta tudo o que ela tem. E ajuda a amenizar toda essa sensação de peso que as pessoas veem vivendo. Essa fase vai passar, e qualquer dia a gente vai estar todo mundo junto. Mas a dica ainda é ter paciência, porque a criança está em fase de construção. E se ela está em fase de construção, a gente tem que ter todo o cuidado, toda uma delicadeza de como construir essa criança; esses conhecimentos que, de repente, estavam sendo construídos na escola, por professoras estudadas, especializadas e elas estão agora na frente de um computador.


E na tua avaliação, a perda pedagógica como vai ficar?

A minha recomendação é que os colégios façam uma flexibilização de conteúdo, porque somente agora a gente tá começando a colher os' louros' do ano passado. A criança que por exemplo estava na pré-escola e foi para a primeira série, essa criança teve todo o aprendizado e tudo o que precisava para adquirir os conhecimentos básicos? Não. Então, o que tem que ser feito lá na primeira série? Tem que reestruturar todo o currículo para que essa criança não tenha muitas perdas. Não empurrar conteúdo. a hora é de parar e flexibilizar.Eu tenho crianças [pacientes] que têm dificuldade de aprendizagem. Eu vou nos colégios e os colégios fazem essa flexibilização de conteúdo. Mas é hora de fazer isso para todos, porque o problema é generalizado. As mães se queixam que os filhos estão chorando e não querem voltar para a escola, 'que não estão juntando as letrinhas'. A hora é de calma. Tem tempo para isso. Mas cabe às escolas trabalharem de uma forma leve e com delicadeza, mas firmeza, rotina e limite. Os colégios têm de fazer uma adequação curricular.

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