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Missionário por essência

Beirando os 99 anos, Frei Ervino nem pensa em aposentadoria

  • Mauro Maciel

Missionário por essência, o religioso passou a vida pregando para as comunidades do interior, em vários municípios catarinenses

O barulho de um andador, arrastado pelos corredores do Convento Franciscano, em Lages, denunciou a chegada de Frei Ervino Girardi na sala onde concedeu essa entrevista.

A limitação se deve a duas cirurgias na perna, situação que de forma alguma afetou o bom humor do religioso, que continua celebrando missas.

Em breve, ele espera estar totalmente recuperado para retomar sua rotina. Em abril completa 99 anos, mas nem pensa em aposentadoria. “Só quando morrer,” sentencia em meio a um sorriso.  

Nas missas. Aproveita para descansar no início e na hora das leituras. Nos demais horários fica de braços abertos apoiado na mesa. É uma forma de aliviar o peso nas pernas.  

Os cabelos brancos não escondem a idade, mas a memória é surpreendentemente impecável. Frei Ervino relembra com detalhes sua trajetória, desde a época em que era coroinha na igreja da comunidade de Santa Maria, no município de Benedito Novo (SC). Aos 12 anos, foi para o convento.

“A mãe falou que eu ia passar dos 80. Acertou. Ela morreu com 87 e o pai com 74. Eles tiveram uma vida sofrida, trabalhando dia e noite na roça. Na época, quase não existiam remédios.” 

Eles eram nove irmãos, quatro já morreram. Uma irmã é religiosa e mora no Oeste do Mato Grosso, quase na divisa da Bolívia. O Frei não a vê há muitos anos e não esconde a saudade. Ela tem dez anos a menos que ele, ou seja, 89 anos. 


Remou, mas a comunidade ficou sem missa

Com 75 anos de vida religiosa, Frei Ervino evangelizou em muitas comunidades, em uma época onde as estradas eram praticamente inexistentes.

Quando estava em São Francisco do Sul, utilizava uma canoa a motor, único meio para chegar até algumas comunidades mais distantes. Sua missão era celebrar missas e fazer confissões, tudo agendado com antecedência.

“Em uma das viagens o motor pifou. O dono do barco me entregou um remo. Disse que era pra mim remar enquanto ele tentava consertar. Quando chegamos já era tarde da noite. Estava muito cansado. A comunidade me recebeu para dormir, mas ficaram sem a missa (risos)”. 


Carregava dos pneus reservas

Ele chegou em Lages em 1992 e ficou por 27 anos na Paróquia da Igreja do Navio (Nossa Senhora Aparecida). Sua rotina não era diferente.

Nos finais de semana, percorria cerca de 300 quilômetros para rezar em comunidades da Coxilha Rica. Era bem conhecido por dirigir um fusca. “Paiquerê, Faxinal, São Jorge. Nos últimos tempos sempre tinha um voluntário que dirigia pra mim,” relembra.  


“Em 2000 ganhei um Gol que substituiu o Fusca. Ele estava muito velho. Com o Gol andei 203 mil quilômetros, quase sempre no interior e na época não existia asfalto.”

Precavido, carregava dois estepes. 

“Uma vez estourou um pneu perto da Localidade de Vigia, já na BR-116. Peguei carona e levei o pneu até um posto. Teve uma alma boa que consertou, me levou de volta até onde estava o carro e ainda trocou o pneu.” 

 

Quer voltar a pescar

Além da religião, Frei Ervino tem outras duas paixões, a pesca e a lavoura. Quando estava na Igreja do Navio levantava às 4h, tomava café e ia para a horta, às 8 começava o expediente na paróquia.

Sempre que tinha companhia, gostava de pescar. “Agora não posso mais. Para pescar tem que caminhar. Só quando estiver bem recuperado,” lamenta. 

Mas apesar de todas as dificuldades que enfrentou, Frei Ervino mantém a alegria que lhe dá força para continuar trabalhando, como ele mesmo diz, até o final dos seus dias.  


Trajetória

Ficou dez anos no Seminário de Rio Negro. “O problema é que em casa só falávamos italiano. Tive que aprender o idioma”. Dois anos em Curitiba, fazendo Filosofia e cinco em Petrópolis (Rio de Janeiro), para a Teologia. “Fui ordenado padre.” 

De 1955  a 1958, ficou em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, de onde foi transferido em março para Jaborá. “Peguei um avião e ao meio dia estava em Joinville. Peguei um ônibus, passei por Navegantes, Florianópolis, Lages e Joaçaba, onde segui até o convento e encontrei o grande Frei Bruno.” 

Foi chamado pelo provincial para Luzerna. Lá foi informado iria para Rio Negro, Paraná. “Fui para o seminário, onde cuidava das plantações e das compras.” 

Ficou três anos em Rio Negro. Em uma dessas compras foi para Curitibanos, onde conheceu Frei Rogério. Voltei para Rio Negro, onde o Frei Olavo informou que havia sido transferido para São Francisco do Sul. A longa viagem foi de trem. 

Em janeiro de 1966 fui transferido para Santo Amaro da Imperatriz. Era uma vila. Camboriú também era muito pequena e a rodovia não estava pronta.

Ficou oito anos. Cuidava das capelas de Santo Amaro e também das de Águas Mornas, Pinheira, Garopaba e Paulo Lopes. Ficava dias na estrada para rezar missas nas capelas. 

Saiu em 11 de fevereiro de 1974 para Rio Negro, onde ficou por 12 anos. Depois foi para Coronel Freitas, perto de Chapecó, onde ficou por 6 anos. Em fevereiro de 1992 foi transferido para Lages.


Histórico

Texto escrito por Frei Miguel da Cruz, em 2022

Frei Ervino nasceu em Santa Maria, no município de Benedito Novo (SC), no dia 9 de abril de 1925. Esta capela, como conta, pertencia na época à Paróquia de Rodeio e os frades davam assistência, entre eles Frei Bruno Linden, que está em processo de beatificação.

Para ele, a proximidade com os frades influenciou no seu discernimento vocacional, embora também tivesse pensado em ser Marista.

Naquele tempo, o meio de transporte dos frades era feito com uma mula, que deixavam descansando na casa de seus pais durante as celebrações.

A religiosidade dos pais, Dona Rosa Tambosi e Eugênio Luiz Girardi, também o influenciou. Sua mãe pertencia à Ordem Franciscana Secular. Dos nove filhos do casal, Frei Ervino é o mais velho.

Frei Ervino ingressou no Seminário São Luiz de Tolosa em Rio Negro em 1937 e vestiu o hábito franciscano em 14 de dezembro de 1946. Fez a profissão solene em 18 de dezembro de 1950.

Foi ordenado presbítero em 1º de julho de 1953, em Petrópolis. No jubileu de 50 anos de sua ordenação presbiteral, escolheu como lema “A minha alma glorifica o Senhor” (Lc 1,49).

Exerceu o ministério em lugares como Petrópolis (RJ); Duque de Caxias (RJ); Seminário Seráfico e Paróquia do Senhor Bom Jesus da Coluna e Nossa Senhora Aparecida, em Rio Negro (SC); São Francisco do Sul (SC); Santo Amaro da Imperatriz (SC); Coronel Freitas (SC); e Lages, onde está cerca desde 1992.

Sua simplicidade e alegria são características marcantes, como dizia o Boletim “Caminhada” da Diocese de Lages, em 2003.

Ele  se sente muito feliz como frade menor. Um apaixonado por São Francisco e Santa Clara. E faz um convite especial  aos jovens que porventura desejam conhecer e ou viver a vida como religioso franciscano: “Venham conhecer e desejar esta vocação. Garanto que vós sereis felizes!”. Nessa caminhada de  96 anos, Frei Ervino olha para o passado com muita alegria e o futuro com grande esperança.

Frei Ervino se alegra e celebra o seu aniversário com gratidão e muito carinho com seus amigos. Todos estão nas suas orações, e abençoa a todos. Paz e bem!


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