Pintura do teto tinha leite; e esterco foi usado como isolante
Inaugurada em 1º de janeiro de 1922, a Catedral Diocesana de Lages completou 103 anos em 2025. Durante mais de um século, a única restauração realizada, que se tem notícia, iniciou em 1992 e terminou em 2002, processo que revelou várias curiosidades sobre o prédio e as técnicas de construção utilizadas.
O empresário Hernani Luiz Vieira respondeu como presidente da Associação Prol Restauração Catedral (Aproresc) e, de forma resumida, conta como foi o processo e as descobertas em relação à Igreja Matriz de Lages. “Tivemos a orientação do restaurador Renato Koch, que ajudou na restauração da Capela Cistina, na Itália. Apesar do seu conhecimento, seu nome não foi aceito pela Fundação Catarinense de Cultura (FCC), que exigiu a contratação de um restaurador catarinense. Mesmo assim, Renato nos deu dicas valiosas,” lembra Hernani.
Uma delas foi em relação às pedras de arenito utilizadas na construção. Em função do desgaste, 93 unidades precisaram ser substituídas. Mas não bastava buscar novas pedras nas pedreiras da região. Segundo Renato, a pedra precisa “descansar” por dois anos após ser lapidada, evitando que surjam rachaduras quando for submetida a cargas de peso. A solução foi buscar doações de pedras já utilizadas pela comunidade, algumas vieram de túmulos abandonados.
Esterco de gado - O terreno onde está a Catedral Diocesana foi isolado com esterco de gado. Da mesma forma que até hoje algumas famílias constroem cozinhas de chão em propriedades rurais. Hernani conta que esta descoberta explica a umidade que se infiltra pelos pilares e paredes. Com décadas, o esterco praticamente desapareceu aumentando as infiltrações.
“Quando retiramos as tábuas do assoalho não tinha nada. Era terra pura. Antes de colocar as novas, fizemos uma base de concreto para amenizar o problema. Mas as pedras são permeáveis e estão em contato com o solo. É normal que com os anos a umidade apareça,” avalia Hernani.
Outra descoberta é que uma enorme base de pedra avança sob a Rua Frei Gabriel e sob parte do terreno do prédio que fica do outro lado da rua. Sua função é garantir a estabilidade da torre que sustenta os três sinos. Os sinos foram encomendados em Leipzig, na Alemanha. O maior deles, denominado "Cristo Salvador", pesa 1520 quilos, com badalo de 87 quilos, com nota em Dó. O médio, batizado "Santa Maria" e em nota Sol, pesa 920 quilos, com badalo de 66 quilos. Já o menor, chamado "São Francisco", em Lá, pesa 610 quilos e o badalo 48 quilos.
Igreja é uma relíquia _ Para Hernani Vieira, os 10 anos que esteve à frente da comissão para a restauração da Catedral Diocesana foram estressantes, mas o trabalho valeu a pena Trata-se de uma igreja única e muito bem construída. Tanto que até hoje não possui problemas estruturais. As pedras que soltaram na área externa são adornos.
Ele lamenta algumas proibições por parte da FCC que limitaram a restauração. Uma delas é em relação à pintura que existia no teto da nave central do lado direito para quem entra. O teto desprendeu, foi refeito, mas a fundação não autorizou reproduzir a pintura. Atualmente, a pintura original é vista apenas na parte esquerda da igreja. “É uma pintura muito sensível, leva leite na sua composição, uma técnica usada por artistas da época”.
Na restauração, de 1992 a 2002, foram investidos, em valores da época, R$ 420 mil. Sem recursos de governos, os valores foram obtidos por meio de rifas, bingos e sorteio de um veículo. Ou seja, o custo foi pago pela comunidade.
Limpeza _ Hernani elogia a prefeita Carmen Zanotto que solicitou à Fundação Catarinense de Cultura orientações técnicas para proceder uma limpeza externa na Catedral. É a primeira que será feita em duas décadas.
A linha do tempo
1907 – Criação de uma comissão para angariar fundos para a construção. A comissão foi formada por: Frei André Noirhomme, Victor Alves de Brito, Vidal Ramos Netto, Carlos Schmidt Júnior, Belisário Ramos, José Domingues de Arruda, Henrique Ramos Júnior, Vicente Gamborgi e Antonio Ribeiro dos Santos;
1912 – Criação de uma nova comissão liderada pelo vigário Frei Gabriel Zimmer. Comissão formada por: Belisário e Emiliano Ramos, Hortêncio Rosa Rath, Ernesto Neves, João Rosa, Manoel Ramos, José de Britto, Dorval Ramos, José de Mello Cézar e Indalécio Arruda. Frei Gabriel passava de fazenda em fazenda coletando as doações para a construção da igreja;
1912 – Sete projetos foram enviados para comissão, e o de Augusto Scheiddgen, de Bonn, Alemanha foi o escolhido;
1913 – Santa Missa e, 23 de janeiro com o lançamento da Pedra Fundamental;
1914 – Em 31 de maio, uma urna de vidro foi fixada atrás do altar-mor contendo documentos em latim, no local há a gravação “Glória a Padroeira de Lages N. Sra. Dos Prazeres 1914”;
1919 – Colocação das cruzes nas torres;
1920 – Em 24 de dezembro ocorreu o batismo dos sinos. O maior deles chama-se Cristo Salvador, doado por Oscar de Britto e Alice Wendhausen, o médio é chamado de Santa Maria, doado por Basilissa Antunes Alvez de Britto, e o sino menor batizado de São Francisco, doado por Julinha Ramos;
1920 – Contratado o pintor F.G. Lobe para as pinturas na Catedral: reprodução de quadros de Rafaelli (A Transfiguração) e de Murilo (A Sagrada Família);
1921 – Frei Gabriel Zimmer declara terminada a construção da Matriz;
1922 – Em 1º de janeiro foi realizada a consagração da nova Matriz pelo Bispo de Florianópolis, Dom Joaquim Domingues de Oliveira, logo após, o Frei Gabriel Zimmer viajaria para Alemanha para encomendar o altar-mor e outros objetos;
1929 – Instalação da Diocese de Lages, a Igreja Matriz foi elevada à categoria de Catedral, tendo como primeiro Bispo, Dom Daniel Hostin;
Fonte: Fundação Cultural de Lages
Fotos: Fábio Pavan/PML
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